Numa entrevista dinâmica, podem ser acrescentadas perguntas e as respostas podem ser modificadas a qualquer momento.
Como é o trabalho desenvolvido na Odontologia Hospitalar? Dr. Eduardo Esber: O trabalho de um profissional dentro da Odontologia Hospitalar é bem diferente daquele executado dentro de um consultório odontológico. Dentro de um hospital, o cirurgião-dentista faz parte de uma equipe multidisciplinar que atende o paciente de forma integral. Essa equipe abrange médicos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, assistentes sociais, capelões etc. Assim sendo, muitas decisões são tomadas em conjunto com outras especialidades e o tratamento é realizado em comum acordo com todas elas. Não é o tratamento habitual realizado dentro de um consultório odontológico, mesmo porque os recursos disponíveis para que um cirurgião-dentista possa realizar um atendimento em beira de leito, como são a maioria dos atendimentos hospitalares, são bastante limitados.
Como é o atendimento hospitalar em beira de leito? Dr. Eduardo Esber: Muitos que desconhecem essa área acham que o cirurgião-dentista vai realizar um tratamento restaurador ou um clareamento num paciente acamado. Não é nada disso. O trabalho dentro da Odontologia Hospitalar envolve outras vertentes que dizem respeito à interrelação da boca com o restante do organismo, ou seja, um problema sistêmico do paciente pode influenciar sua cavidade bucal tanto como um problema em sua cavidade bucal, por exemplo um dente infeccionado, pode colocar em risco a sua vida. O atendimento hospitalar visa detectar e eliminar quaisquer problemas orais que possam de alguma forma influenciar negativamente a recuperação do paciente. Por exemplo, uma simples cárie que atinge a polpa do dente e provoca uma infecção pode comprometer a vida de um paciente hospitalizado, especialmente se ele estiver com sua imunidade baixa.
É necessário um conhecimento especial para esse tipo de atendimento? Dr. Eduardo Esber: Além dos conhecimentos odontológicos específicos para o ambiente hospitalar, o cirurgião-dentista precisa estar totalmente inteirado dos problemas médicos que o paciente possui, pois sua atuação pode influenciá-los, positiva ou negativamente. Nesse aspecto, é importante estar sempre a par da situação clínica do paciente e de seus exames complementares, que são fatores que influenciam a conduta do profissional. Assim, faz-se necessário ter um bom e claro conhecimento de todas as especialidades médicas relacionadas, bem como das rotinas e condutas das outras especialidades envolvidas no atendimento do paciente, tudo isso para que uma especialidade não prejudique o trabalho da outra e consequentemente o paciente atendido. Na Odontologia Hospitalar, nunca tratamos apenas da boca do paciente, mas sempre do paciente, como um todo.
Quais são as principais alterações bucais que um paciente com câncer pode desenvolver? Dr. Eduardo Esber: O tratamento radioterápico em região de cabeça e pescoço e o tratamento quimioterápico causam problemas orais que exigem bastante atenção. As drogas utilizadas na quimioterapia atuam nas células cancerígenas que têm uma alta taxa de divisão, mas existem em nosso organismo outras células com alta taxa de divisão e que não são cancerígenas, como as células da mucosa oral, que são lesadas pelas drogas quimioterápicas. Daí temos a Mucosite Oral, que pode se apresentar em vários graus e, por conta da dor, pode impedir qualquer tipo de alimentação por parte do paciente, além de ser uma porta de entrada para agentes infecciosos que naturalmente habitam a cavidade oral. Esse problema pode comprometer a vida do paciente, caso não seja abordado de forma correta. Além da mucosite, pacientes oncológicos podem desenvolver Candidíase Oral, que é uma infecção causada por um fungo e que apresenta alto risco de disseminação, cáries causadas pelo tratamento radioterápico, as quais evoluem rapidamente, e também necroses ósseas que são de difícil reversibilidade e que podem se infectar. Pode ainda ocorrer o trismo, que é uma dificuldade de abertura bucal, nesse caso causada pela fibrose dos tecidos envolvidos e, não menos raras, as alterações salivares, responsáveis pela sensação de boca seca, sendo este um dos problemas que mais impactam a qualidade de vida dos pacientes, gerando desconforto, dificuldade para falar e mastigar, além de tornar a boca mais suceptível para contrair infecções que podem se disseminar.
A Mucosite grave possui tratamento? Dr. Eduardo Esber: Todos problemas orais decorrentes do tratamento radio e/ou quimioterápico possuem um tipo de tratamento. O melhor tratamento existente é a prevenção, ou seja, uma abordagem oral realizada por um profissional especializado antes de que seja iniciado o tratamento oncológico. Nessa abordagem serão tratados os problemas bucais existentes passíveis de complicação durante ou após o tratamento oncológico e ministrados cuidados preventivos para a minimização dos danos causados pelos agentes quimioterápicos. Isso deveria ser uma rotina a ser executada em todos os pacientes que serão submetidos a um tratamento radio e/ou quimioterápico, pois os benefícios para o paciente são muito grandes. O laser é o melhor tratamento existente na atualidade para a mucosite, em todos os seus graus de severidade. Durante a quimioterapia, o tratamento preventivo com laser reduz a incidência de mucosites orais e, quando estas se manifestam, sua severidade é bem menor. Para as mucosites já instaladas, mesmo para as formas agressivas, além do laser também são prescritas substâncias de uso tópico que bastante colaboram para a remissão do quadro. Quanto antes for implementado o tratamento, menos danos o organismo do paciente sofrerá e mais rápida será sua recuperação.
O que é Doença do Enxerto contra o Hospedeiro? Dr. Eduardo Esber: Explicando de uma forma bem simples, imagine que um paciente com câncer recebeu um transplante de medula óssea. Então, as células de defesa (linfócitos T) do doador, presentes no "enxerto", passam a agredir as células do paciente receptor, nesse caso o hospedeiro. Isso ocorre quando não há compatibilidade entre os sistemas de defesa do doador e do receptor. Daí o nome da doença, que realmente é uma agressão do enxerto contra o seu hospedeiro. Essa doença provoca uma intensa inflamação dos órgãos e tecidos, bastante destrutiva, sendo responsável por grande taxa de mortalidade após os transplantes. Ela também se manifesta na cavidade oral, podendo se assemelhar bastante com a mucosite, porém o tratamento é diferente, nesse caso realizado com basicamente com corticosteróides, que são uma classe de antiinflamatórios mais potentes, associados com outras drogas de caráter coadjuvante.
Um paciente acamado, que não se alimenta pela boca, necessita de cuidados de higiene oral? Dr. Eduardo Esber: Uma boca saudável possui mais de 800 tipos de bactérias diferentes. Existem mais bactérias na sua boca do que a população do mundo todo. Essas bactérias vão se multiplicando sem parar e formando depósitos sobre toda a mucosa oral, sobre os dentes e gengiva, sobre o céu da boca, bochechas, enfim, sobre toda a superfície oral, sem deixar nenhum espaço vago. Esse depósito bacteriano vai formando uma camada cada vez mais espessa e patogênica que é chamada de biofilme. Esse biofilme, quando não controlado, provoca a destruição dentária, problemas de sangramento gengival e periodontites, favorece o aparecimento de infecções fúngicas e quando expandido pode facilmente causar pneumonia. Tudo isso sem contar que, havendo qualquer tipo de lesão na mucosa oral, seja um simples e pequeno ferimento, as bactérias do biofilme podem avançar para a circulação sanguínea podendo chegar até a causar uma infecção generalizada, com risco de morte para o paciente. Agora veja que, independentemente do paciente se alimentar pela boca, ou não, ele sempre terá esse biofilme em constante multiplicação, motivo pelo qual os cuidados de higiene oral jamais podem ser negligenciados.
E num paciente que não pode se levantar para escovar seus dentes, como é feito esse cuidado oral? Dr. Eduardo Esber: Pacientes acamados necessitam de um cuidador para realizar sua higiene corpórea e oral. Os cuidados orais abrangem uma variada gama de procedimentos e envolvem diversas substâncias que podem ser utilizadas, as quais vão variar conforme a situação do paciente. Por exemplo, a sequência operatória muda quando o paciente é traqueostomizado ou quando ele possui dentes remanescentes em sua boca. Se o paciente possui candidíase e está em uso de medicação antifúngica, não utilizamos determinados tipos de antissépticos orais, que podem anular o efeito do antifúngico. Também é feito um rodízio com os antissépticos utilizados, muitas vezes tendo associada uma substância enzimática. Casos de ressecamento de mucosa oral também devem ser abordados, pois podem provocar o fissuramento ou mesmo o rompimento do epitélio, abrindo uma porta por onde as bactérias orais podem invadir a circulação sanguínea. Resumindo, o cuidado oral visa basicamente controlar o biofilme presente na boca. O modo com que esse cuidado será realizado e as substâncias que serão utilizadas vão depender das particularidades de cada paciente.
No que se baseia o treinamento que oferece para as equipes de saúde hospitalares? Dr. Eduardo Esber: A cavidade oral é um potencial foco de distribuição de microorganismos para o restante do organismo. O biofilme oral possui mais de 800 espécies distintas, que com facilidade ganham a corrente circulatória, geralmente através de lesões de mucosa oral, as quais podem ser causadas por traumatismos ou fissuramentos devido ao ressecamento. Também deve ser considerada a expansão geográfica desse biofilme em direção à Traquéia, incrementando riscos de pneumonia, também aumentados em presença de uma língua saburrosa e contaminação da saliva. O treinamento, oferecido para as equipes médica e de enfermagem, consiste em uma macro aula onde são expostos todos os perigos que uma boca mal higienizada/descontaminada pode oferecer para o paciente, a conscientização de que isso aumenta o tempo de internação, o uso de antibióticos e os gastos hospitalares e, por fim, a apresentação e explanação sobre a implementação do Protocolo de Descontaminação Oral, um meio eficiente e barato para controle eficaz do biofilme oral e suas consequências nefastas.
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